O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, emitiu uma nota nesta segunda-feira na qual lamenta as declarações do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que afirmou em entrevista à TV portuguesa RTP que o julgamento do mensalão foi “80% político”. Segundo Barbosa, a fala do petista é “um fato grave que merece o mais veemente repúdio”.
Para Barbosa, a opinião de Lula demonstra “dificuldade em compreender o extraordinário papel reservado a um Judiciário independente em uma democracia verdadeiramente digna desse nome”. Leia a nota na íntegra: saiba mais Avaliação de Lula é "troço de doido", diz ministro Julgamento do mensalão teve 80% de decisão política, diz Lula Ministério Público pede manutenção do mensalão mineiro no STF Mensaleiro é suspeito de fraude STF retoma julgamento de recursos que podem diminuir penas de mensaleiros. Leia mais sobre Mensalão
Lamento profundamente que um ex-Presidente da República tenha escolhido um órgão da imprensa estrangeira para questionar a lisura do trabalho realizado pelos membros da mais alta Corte de Justiça do País. A desqualificação do Supremo Tribunal Federal, pilar essencial da democracia brasileira, é um fato grave que merece o mais veemente repúdio. Essa iniciativa emite um sinal de desesperança para o cidadão comum, já indignado com a corrupção e a impunidade, e acuado pela violência. Os cidadãos brasileiros clamam por justiça.
A Ação Penal 470 foi conduzida de forma absolutamente transparente. Pela primeira vez na história do Tribunal, todas as partes de um processo criminal puderam ter acesso
simultaneamente aos autos, a partir de qualquer ponto do território nacional uma vez que toda a documentação fora digitalizada e estava disponível em rede. As cerca de 60 sessões do julgamento foram públicas, com transmissão ao vivo pela TV Justiça, além de terem recebido cobertura jornalística de mais de uma centena de profissionais de veículos nacionais e estrangeiros. Os advogados dos réus acompanharam, desde o primeiro dia, todos os passos do andamento do processo e puderam requerer todas as diligências e provas indispensáveis ao exercício do direito de defesa.
Acolhida a denúncia em agosto de 2007, o Ministério Público e os réus tiveram oportunidade de indicar testemunhas. Foram indicadas, no total, cerca de 600. Acusação e defesa dispuseram de mais de quatro anos para trazer ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal as provas que eram do seu respectivo interesse.
Além da prova testemunhal, foram feitas inúmeras perícias, muitas delas realizadas por órgãos e entidades situadas na esfera de mando e influência do Presidente da República, tais como:
- Banco Central do Brasil;
- Banco do Brasil;
- Polícia Federal;
- COAF.
Também contribuíram para o resultado do julgamento provas resultantes de trabalhos técnicos elaborados por órgãos da Câmara dos Deputados, do Tribunal de Contas da União e por Comissão Parlamentar de Inquérito Mista do Congresso Nacional.
Portanto, o juízo de valor emitido pelo ex-Chefe de Estado não encontra qualquer respaldo na realidade e revela pura e simplesmente sua dificuldade em compreender o extraordinário papel reservado a um Judiciário independente em uma democracia verdadeiramente digna desse nome.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex-secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio responderam ainda por corrupção ativa.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles responderam por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro.
O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) respondeu processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia incluía ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.
No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses).
Após a Suprema Corte publicar o acórdão do processo, em 2013, os advogados entraram com os recursos. Os primeiros a serem analisados foram os embargos de declaração, que têm como função questionar contradições e obscuridades no acórdão, sem entrar no mérito das condenações. Em seguida, o STF decidiu, por seis votos a cinco, que as defesas também poderiam apresentar os embargos infringentes, que possibilitariam um novo julgamento para réus que foram condenados por um placar dividido – esses recursos devem ser julgados em 2014.
Em 15 de novembro de 2013, o ministro Joaquim Barbosa decretou as primeiras 12 prisões de condenados, após decisão dos ministros de executar apenas as sentenças dos crimes que não foram objeto de embargos infringentes. Os réus nessa situação eram: José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Henrique Pizzolato, Simone Vasconcelos, Romeu Queiroz e Jacinto Lamas. Todos eles se apresentaram à Polícia Federal, menos Pizzolato, que fugiu para a Itália.