RIO - Depois de entrar para a história da teledramaturgia por levar pela primeira vez ao ar um beijo entre dois homens, no último capítulo da novela “Amor à vida”, exibida às 21h pela Globo em 2013, Walcyr Carrasco voltou a fazer barulho na faixa das 23h ao transformar em sucesso de audiência uma história que une prostituição, uma modelo viciada em crack definhando diante do público e um triângulo amoroso entre uma ninfeta, um empresário sem escrúpulos e a mãe dela. Com média de 19 pontos desde a estreia, e recorde de 27 pontos (no Rio), “Verdades secretas” entrou no ar em junho e chega ao fim nesta sexta-feira como a novela de maior repercussão do momento.
Construída ao redor da agência de modelos comandada pela empresária Fanny (Marieta Severo), a trama sobre a menina Angel (a modelo Camila Queiroz, estreante na TV), o empresário Alex (Rodrigo Lombardi) e a mãe da moça, Carolina (Drica Moraes) esteve entre os assuntos mais comentados das redes sociais desde sua estreia, seja pelas fartas cenas de sexo (a nudez de Rodrigo Lombardi gerou infinitos memes na web no primeiro capítulo), ou pela temática forte (com direito a Grazi Massafera transfigurada e acabando na cracolândia). Aos 63 anos, até recentemente mais conhecido pelas histórias leves das 18h e 19h, Carrasco prepara sua volta ao horário das seis com “Candinho” (título provisório), que estreia em janeiro. A seguir, ele fala de polêmicas e novelas.
O mesmo espectador que rejeitou “Babilônia” aceitou a temática forte de “Verdades secretas”? Por que a novela não chocou?
Acho que me tornei parceiro do público em suas preocupações com o mundo. As pessoas têm o direito de saber muita coisa que estava oculta. E, pela dramaturgia, pude falar desses temas.
O termo “book rosa” (modelos que se prostituem) caiu na boca do povo. A abordagem da novela é corajosa? Por que a prostituição atrai tanto interesse?
Sim, fui corajoso mesmo porque tenho muitos amigos donos de agências que me ajudaram com informações. E que concordaram que eu precisava falar dos profissionais que envolvem garotas, menores de idade, nesse esquema. Não posso citar nomes, mas há alguns anos um grande empresário paulista foi processado pela mãe de uma garota de 13 anos, não é impressionante? Ele havia se tornado sócio de uma agência para se aproximar das garotas. Não tenho preconceito com a prostituta. Mas tenho, sim, com a cafetina, que agencia e ganha dinheiro às custas dela.
Que retorno você teve dos profissionais da moda?
O retorno dos profissionais sérios foi o melhor possível. Claro que alguns perderam modelos (houve pais que proibiram as filhas de entrar no ramo após verem a novela). Sabem que foram atingidos. Por outro lado, há até conta de Instagram criada por gente que denuncia books rosas. Um booker de uma grande agência foi demitido porque publicaram um face dele combinando um book azul (versão masculina do book rosa). Vixe, ele deve me odiar!
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Em geral, as novelas falam das drogas de modo insinuado. Em “Verdades secretas”, os personagens cheiram, usam crack, numa linguagem próxima das séries. Por que mostrar a droga assim?
Acho que a política sobre drogas está errada, defende a hipocrisia. Penso o contrário. É preciso mostrar, inclusive para trazer o assunto à tona.
Em entrevista ao GLOBO, o diretor de núcleo Mauro Mendonça Filho disse que vocês estão fazendo uma novela da pá virada, mas que os conservadores a veem como denúncia e espaço para a própria fantasia. Qual é a sua opinião?
Maurinho se expressou de um jeito muito divertido, mas acho que a questão é mais profunda. Os conservadores também têm família. Entenderam que não estou defendendo a droga, por exemplo. Mas mostrando até onde uma pessoa pode chegar.
Que marca a novela vai deixar?
Acho que ela ajudou o público a entender que muitas vezes, por trás do glamour, há um lado obscuro. Muitos pais terão mais cuidado com as filhas diante de oportunidades que aparentemente parecem incríveis. E também falou abertamente de temas que devem ser discutidos em família, como as drogas, e até mesmo o aborto.
As cenas de sexo e nudez foram muito comentadas. Você indica no texto exatamente o que quer?
O olhar do diretor é tudo. E tive uma parceria grande com o Maurinho. Ele entendeu todas as intenções, tudo que eu queria e descobriu até o que eu nem sabia que queria.
Gilberto Braga disse ao GLOBO, na época de “Babilônia”, que o país está mais careta, que não é mais possível ter nudez em novela, por exemplo. Concorda?
Respeito a opinião do Gilberto, que é um grande autor. Ver “Vale tudo” (1988) foi fundamental para minha formação como autor. Mas acredito que todos os temas são possíveis, e o público gosta, sim, de temas ousados, como provou com “Verdades secretas”.
Por que a cena de Alex nu foi tão comentada?
A beleza masculina ganhou espaço, principalmente devido à liberação da mulher. Hoje a mulher tem coragem de dizer quando acha um homem bonito.
Alex paga a uma menor por sexo, se casa com a mãe dela para ficar perto da menina, acha que pode comprar tudo. Mesmo assim, parte do público torce por ele. Por quê?
É a magia do ator. Rodrigo Lombardi é extremamente carismático.
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Fanny será punida no final? Você teve algum pudor ao botar Marieta Severo sendo chamada de velha em cena repetidamente?
Quem disse que será punida? Quando convidei a Marieta, num jantar, disse exatamente o que seria o papel. E que ela seria chamada de velha e tudo mais. Jogo aberto. Ela aceitou, me deixando livre para escrever.
Após “Amor à vida”, muita gente achou que as novelas tinham avançado ao mostrar o afeto gay. Depois, o público rejeitou o beijo gay de “Babilônia”. Retrocedemos?
Não acho que houve retrocesso nem que “Amor à vida” avançou. Em dramaturgia há variações mínimas que às vezes fogem ao nosso entendimento. Essas teses sobre retrocesso e conservadorismo são apenas teses.
“Candinho” tratará do amor de dois irmãos de criação. Não é polêmico para 18h?