A Armênia recorda nesta sexta-feira (24) os 100 anos dos massacres que deixaram 1,5 milhão de mortos entre seus ancestrais pelo Império Otomano, apesar das críticas da Turquia que continua a rejeitar o termo "genocídio" para designar uma das páginas negras do século XX.
Centenas de milhares de pessoas são esperadas em Erevan para uma cerimônia no Memorial às vítimas do genocídio armênio. Entre os convidados, estão os presidentes russo Vladimir Putin e o francês François Hollande.
Este memorial imponente, que inclui 12 estelas de basalto, junto a uma chama eterna, e uma flecha de 44 metros de altura, simbolizando o renascimento do povo armênio, foi inaugurado em 1967, dois anos após as manifestações em Erevan pedindo pela primeira vez o reconhecimento do termo "genocídio".
Em 24 de abril de 1915, milhares de armênios suspeitos de hostilidade ao governo central do Império Otomano foram presos em Constantinopla (atual Istambul), a maioria dos quais foram executados ou deportados.
Os armênios afirmam que até 1,5 milhão de pessoas foram mortas entre 1915 e 1917 nos massacres realizados pelo Império Otomano, precursor do atual Estado turco, durante a Primeira Guerra Mundial.
Ancara insiste que não houve um plano de extermínio da população armênia e que se tratou de um conflito civil, no qual morreram entre 300 mil e 500 mil armênios, mas que houve a mesma quantidade de vítimas turcas.
Em Istambul, uma pequena reunião está programa para sexta-feira para lembrar o centenário do genocídio. E em todo o mundo, várias cerimônias organizadas por muitos diásporas armênios serão realizadas, de Los Angeles a Estocolmo, passando por Paris e Beirute.
A Igreja Ortodoxa Armênia canonizará, por sua vez, as 1,5 milhão de vítimas dos massacres
Reconhecimento de 'genocídio'
Enquanto os armênios de todo o mundo se preparam para recordar os 100 anos do massacre, tentam fazer com que todos os países, especialmente a Turquia, passe a utilizar a palavra genocídio, um termo que continua a provocar polêmica, para referir-se ao acontecido.
Antes das manifestações de amplitude sem precedentes na Armênia, que era uma das 15 repúblicas soviéticas da URSS, os armênios se referiam aos massacres como "Medz Yeghern" ou a "grande catástrofe".
No entanto, o termo genocídio foi tipificado pelas Nações Unidas em 1948, no 50º aniversário, e os armênios começaram a exigir o reconhecimento de que os massacres em questão tinham a intenção de destruir esta comunidade.
"O termo genocídio não é só uma palavra acadêmica, mas tem um significado legal. Isso implica que um crime foi cometido e sugere que deveria haver uma punição e compensação", diz Ruben Safrastyan, diretor do Instituto de Estudos Orientais de Yerevan.
Atualmente, o genocídio armênio é reconhecido por 20 países, incluindo Argentina, Uruguai, França, Suíça, Rússia, e desde 1987 pelo Parlamento Europeu.
Declaração do Papa irrita Ancara
A menos de duas semanas para a cerimônia desta sexta em Erevan, o Papa Francisco empregou pela primeira vez o termo "genocídio" para falar sobre os massacres dos armênios durante a missa eucarística celebrada com o patriarca armênio Nerses Bedros XIX Tarmouni no Vaticano.
A declaração enfureceu Ancara, que retirou seu embaixador no Vaticano. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, pediu ao Papa para não repetir esse "erro".
O Parlamento Europeu "encorajou" a Turquia a reconhecer o "genocídio" armênio e apelou para Erevan e Ancara para "trabalhar no sentido de uma normalização das relações" que permanecem congeladas.
Mas as autoridades turcas parecem não estar dispostas a ceder a este apelo. "A Turquia não pode reconhecer um tal pecado ou um tal crime", reiterou Erdogan antes mesmo da reunião de Bruxelas.
No entanto, o chanceler turco declarou nesta semana que seu país compartilha o sofrimento dos filhos e netos dos armênios mortos sob o Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial e expressou a eles suas condolências.
Turquia gera polêmica
Por outro lado, as autoridades turcas também geraram polêmica ao programar as cerimônias do centenário da Batalha de Gallipoli, tradicionalmente comemorada em 25 de abril, para o dia 24, o mesmo dia em que a Armênia lembrará as vítimas do genocídio.
Para os turcos, a batalha de Gallipoli representa um acontecimento precursor da fundação da Turquia moderna. O coronel Mustafa Kemal, que proclamaria em 1923 a República turca moderna, nascida após a queda do Império otomano, participou com honras em Gallipoli.
O presidente armênio Serge Sarkisian acusou o presidente turco, conservador-islâmico, de tentar "manipular a história e desviar a atenção do mundo das atividades sobre o centenário do genocídio".
O abismo entre os dois países é profundo, como demonstra o bloqueio do histórico processo de normalização das relações entre Ancara e Yerevan, esboçado desde 2009.
Para os presidentes dos Estados Unidos, onde há uma forte comunidade armênia, a questão sempre foi complicada. Barack Obama, que antes de sua eleição fez um apelo pelo reconhecimento do genocídio de 1915, não é uma exceção à regra, utilizando agora o termo armênio "Medz Yeghern".
Atualmente, 3,2 milhões de armênios vivem na Armênia, e a diáspora é calculada em mais de oito milhões de pessoas, que residem agora nos Estados Unidos, Oriente Médio, França, Canadá e América Latina.