Quando a presidente Dilma Rousseff der início a sua visita de dois dias aos EUA, nas próximas segunda e terça-feira, tentará aprofundar uma relação bilateral que é ampla, mas superficial, na opinião de analistas que discutiram a viagem durante um evento em Washington nesta semana.
A decisão da presidente de fazer metade de sua agenda na cidade de Boston – sede da prestigiosa Universidade de Harvard e do Massachusetts Institute of Techonology (MIT) – deixa claro o quanto a visita se concentrará na questão dos intercâmbios de pessoas e de ideias.
Uma década de crescimento econômico fez da mão-de-obra qualificada um recurso escasso no Brasil – um tendão de Aquiles para o desenvolvimento e um empecilho que Dilma tem tentado combater.
Ela deve promover nos EUA o programa Ciência Sem Fronteiras, que pretende conceder mais de 100 mil bolsas a estudantes de graduação e pós. A grande maioria é de brasileiros que querem estudar no exterior, e grande parte deve ter como destino os EUA.
Em Washington, além de encontros com o presidente Barack Obama, Dilma deve discursar ao fim de um seminário empresarial promovido pela Câmara Americana de Comércio.
A ocasião servirá para promover a colaboração entre empresas brasileiras e americanas, abrindo espaço para a inovação.
Parcerias
No passado, as colaborações entre Brasil e EUA nos campos da agricultura, aviação civil e energia ajudaram o Brasil a se tornar um líder mundial em todos esses setores.
Com a atual investida, a presidente Dilma Rousseff quer promover uma qualificação da mão-de-obra e atrair parcerias que possam injetar inovação na economia brasileira.
"O Brasil melhorou até um certo nível, mas para avançar mais precisa resolver problemas domésticos estruturais, fazer sérias reformas", disse o diretor do Brazil Institute do centro de pesquisas Woodrow Wilson, Paulo Sotero.
É nesse contexto que Dilma decidiu que o tópico da sua visita serão coisas que funcionaram no passado, que têm a ver com educação, ciência e tecnologia, aspectos que podem melhorar a qualidade do desenvolvimento.
A viagem ocorre pouco mais de um ano após Dilma receber o presidente americano, Barack Obama, em Brasília.
Na época, analistas avaliaram que Obama pretendia "refundar" as relações com o Brasil. No plano diplomático, os países estavam à deriva um do outro, após o veemente rechaço americano ao esboço de um acordo nuclear negociado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega turco com o Irã.
Nas Américas, o recém-empossado governo hondurenho, ao qual Brasil e EUA se opuseram a princípio, também foi alvo de atritos, depois que Washington cedeu às pressões domésticas e reconheceu o governo de Porfírio Lobo.
"Esta visita é uma continuação do exercício de retomar a confiança mútua, que começou com a visita de Obama", disse o diretor do Brazil Institute.
Entretanto, a decisão do governo americano de não receber a presidente Dilma em visita de Estado tem criado polêmica e, para muitos, enviado precisamente um sinal contrário a essa resolução.
"Dilma vem com uma abordagem muito mais de botar a mão na massa, de fazer negócios. Mas é possível notar, entre os seus diplomatas, que há uma certa decepção por esta visita não ser de Estado", avaliou o analista João Augusto de Castro Neves, do think tank Eurasia Group em Washington.
"O Brasil se compara a Índia e China, que tiveram recepções de Estado. Hoje, o Brasil se vê como uma importante potência emergente, com uma agenda global", acrescentou.
Perda de importância
Os dois maiores e mais influente países do continente têm uma longa história de cooperação, mas uma desconfiança mútua e divergências políticas impossibilitaram o aprofundamento das relações bilaterais.
Entre 2001 e 2011, na década que viu a emergência da China como potência e parceira comercial do Brasil, o comércio entre Brasil e EUA cresceu 120%, para US$ 60 bilhões.
Entretanto, representa hoje 12% do comércio brasileiro com o exterior – metade do patamar em que estava dez anos atrás.
No mesmo período, o comércio com a China se multiplicou inúmeras vezes, chegando a US$ 77 bilhões em 2011.
Peter Hakim, presidente emérito do Interamerican Dialogue, em Washington, acha que na relação entre Brasil e Estados Unidos "parece que está faltando alguma coisa".
Os dois países têm muito a oferecer um ao outro, mas precisam começar (a cooperar mais).
Hora de começar
Para os analistas, a visita de Dilma oferece uma oportunidade para o início deste diálogo mais aprofundado.
Neves crê que o fato de a visita de Dilma não ser de Estado possa reduzir a pompa do encontro com Obama e "abrir caminho para os temas que são de fato importantes".
Dilma, muito mais discreta na sua atuação internacional que Luiz Inácio Lula da Silva, pode não despertar em Obama o mesmo entusiasmo que seu predecessor. Entretanto, eles podem ser bons colegas de trabalho, avaliaram os especialistas.
Paulo Sotero considera positivo que Dilma esteja "mais focada em resolver os desafios do Brasil".
Como exemplo, ele cita "a produtividade da economia, o aumento da competitividade – especialmente no setor industrial – e os deficits em infraestrutura e educação, que ficaram aparentes com o recente sucesso econômico do Brasil".