A Receita Federal iniciou nova investigação sobre os contratos do atacante Neymar, desta vez, a pedido de autoridades fiscais da Espanha. Dois procedimentos administrativos foram abertos no ano passado e são alvo de questionamentos dos representantes do atleta na Justiça Federal.
A defesa do jogador tenta impedir que o Fisco compartilhe informações com a Fazenda espanhola, que também analisa as contas do jogador. Neymar deixou Barcelona há dois anos para se transferir para o PSG, da França, e, agora, tenta fazer o caminho de volta para a Catalunha.
Nesta semana, o jornal “Mundo Desportivo” publicou que autoridades fiscais da Espanha cobram 35 milhões de euros (cerca de R$ 147 milhões) em impostos não pagos pelo atleta enquanto ele viveu no país.
Os advogados de Neymar não quiseram comentar. A assessoria de imprensa do jogador, procurada, não se manifestou. A Receita Federal, em nota, afirmou que não comenta casos de contribuintes específicos em "razão do sigilo fiscal".
É a terceira vez que a Receita Federal do Brasil vasculha contratos do jogador. Nas outras duas, os procedimentos levaram a multas: a primeira, de R$ 460 mil, foi paga por Neymar em 2016; a segunda chegou a R$ 188 milhões, caiu para R$ 69 milhões após decisão do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e ainda há recurso pendente. Foi esta última autuação que baseou uma denúncia arquivada de sonegação fiscal e falsidade ideológica do Ministério Público Federal.
Desta vez, a Receita Federal busca informações sobre contratos de imagem de Neymar assinados entre 2013 e 2018 – período entre a chegada dele ao Barcelona e o ano passado, já no PSG.
Ao menos uma empresa, a Procter & Gamble, entregou à Receita Federal documentos relacionados a acordos de publicidade com a Neymar Sport e Marketing, empresa que tem os pais do jogador como sócios e que detém direitos sobre a imagem do atleta.
As informações constam em uma ação na Justiça Federal de São Paulo. Em maio, os advogados da empresa tentaram barrar no judiciário a troca de informações entre a Receita Federal e as autoridades estrangeiras, mas a liminar foi negada.
Encontro em Brasília
Os dois procedimentos da Receita Federal foram instaurados em 2018 – a Procter & Gamble foi intimada em agosto. A ação na Justiça Federal, com pedido de liminar – uma medida de urgência – foi distribuída no mesmo ano.
Primeiro, no Tribunal Federal do Distrito Federal, que declinou da competência para julgar o caso e o encaminhou para Santos, sede da empresa. De lá, porém, a Justiça encaminhou o processo para São Paulo, sede da superintendência da Receita Federal.
No dia 11 de abril, o juiz José Carlos Motta, da 19ª Vara Cível da capital, finalmente aceitou a competência. Ele, porém, afirmou que julgaria a liminar apenas após reunir informações das outras partes – no caso, a Fazenda Nacional e o Superintendente da Receita Federal da 8ª Região Fiscal, a de São Paulo. O que atrasou a decisão.
Menos de uma semana depois, no dia 17 de abril, o pai de Neymar, Neymar da Silva Santos, se encontrou em Brasília com o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra.
A reunião não constava na agenda do ministro e só foi incluída após ser encerrada.
À época, a pasta informou que o pai de Neymar procurou o governo para prestar esclarecimentos sobre processo fiscal, sem detalhar de qual se tratava. Afirmou que é "usual a concessão de audiências ao setor privado, conforme consta na agenda pública das autoridades da União".
Questionado novamente sobre a reunião, na última semana, e especificamente sobre os procedimentos iniciados em 2018, o Ministério da Economia enviou a mesma nota divulgada após o encontro:
"O Ministério da Economia informa que o Sr. Neymar da Silva Santos foi recebido em audiência pelo presidente da República no dia 17 de abril. O empresário pretendia prestar esclarecimentos sobre processo pendente de julgamento no âmbito administrativo fiscal. Considerando tratar-se de tema de natureza técnica, regido por regras próprias, ele foi encaminhado ao Ministério da Economia. O empresário apresentou seus esclarecimentos ao Ministro Paulo Guedes, sendo usual a concessão de audiências ao setor privado, conforme consta na agenda pública das autoridades da União. Por fim, cumpre esclarecer que, independente da audiência, todo o encaminhamento da questão ocorre no âmbito do respectivo processo administrativo fiscal e observa todas as premissas legais aplicáveis".
No dia em que se encontrou com as autoridades em Brasília, o pai de Neymar publicou foto da reunião nas redes sociais. Na publicação, afirmava que a "Neymar Sport e Marketing se orgulha de estar entre os 10 mil maiores contribuintes do país".
Em 22 de maio, a Justiça Federal de São Paulo rejeitou a liminar pedida pela empresa, indicando que é legal o compartilhamento de informações entre o Fisco brasileiro e autoridades estrangeiras de acordo com tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Disputas com a Receita
A investigação iniciada em 2018 é mais um capítulo da disputa entre o atacante Neymar e a Receita Federal.
O primeiro deles é de 2012, quando auditores apontaram irregularidades em contratos de imagem assinados entre o jogador, a empresa da família e o Santos – num deles, firmado quando Neymar tinha 14 anos, consta a informação de que ele já era "maior de idade" e "jogador profissional", o que só seria possível aos 16 anos.
Foi aplicada multa, contestada por quatro anos. Em 2016, porém, o jogador desistiu de recorrer e aceitou pagar cerca de R$ 460 mil para encerrar o caso.
A decisão foi tomada em meio ao episódio mais barulhento dessa relação. Em 2015, a Receita multou Neymar em cerca de R$ 188 milhões por contratos assinados entre 2011 e 2013, entre eles o de transferência do Santos para o Barcelona.
Diante disso, no começo de 2016, o Ministério Público Federal denunciou o jogador, o pai dele e dirigentes do clube espanhol pelos crimes de sonegação e falsidade ideológica.
A Justiça Federal arquivou a ação pouco depois, sem analisar o mérito, por entender que antes de uma denúncia criminal ser apresentada era preciso esgotar todos os recursos administrativos.
No caso, Neymar ainda podia acionar o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), um órgão vinculado ao Ministério da Economia que julga recursos de contribuintes após as decisões da Receita.
No Carf, Neymar teve parte das demandas aceitas, o que diminuiu a multa dos R$ 188 milhões originais para cerca de R$ 69 milhões, como mostrou o GloboEsporte.com em dezembro. Os advogados do jogador rejeitam este novo cálculo – defendem que restam R$ 8 milhões – e aguardam o julgamento de um recurso ainda pendente no Carf.
A Receita também multou a Neymar Sport e Marketing pela importação ilegal de um carro de luxo em 2011. Em fevereiro deste ano, a Justiça Federal do Distrito Federal negou pedido da empresa da família do jogador para anular a multa imposta pela compra do Porsche Panamera e ainda a condenou ao pagamento de cerca de R$ 31,5 mil em honorários advocatícios à União.